ILUDIR OS POBRES E A POBREZA
Com o agravamento da situação politica e social que vivemos, com a incerteza num futuro de “normalidade”, com a quebra da confiança dos portugueses naqueles que são a expressão do núcleo diretivo do Estado, serão muito poucos ou nenhuns os que, independentemente da sua condição, não aguardassem ansiosamente por medidas reparadoras das consequências da guerra, da pandemia da inflação, do preço dos combustíveis e do aumento do custo de vida em geral. Ansiavam há muito tempo por aquilo que deveria ter ocorrido em tempo útil, à semelhança do que tem acontecido noutros países da União Europeia e um pouco por todo o Mundo.
Portugal foi aguardando. Não se sabe o quê, nem porquê. Finalmente, no início do mês de setembro, eis que chegou o tão esperado anúncio. Chegou, através de um discurso entusiasmado, mas muito pouco entusiasmante.
Com ele, os pobres que existem, e são muitos, acrescido dos novos pobres, que também são imensos, continuam com o mesmo nível de carências, dado que a “esmola oferecida”, é inferior ao aumento dos custos que têm vindo a suportar há muitos meses. É inferior e chega a ser ingrato, em face do aumento da receita fiscal do Estado, anunciado de forma despudorada, ilusória e negacionista. Um anúncio dirigido a um povo que alguns consideram de ignorante, quando, na verdade, este povo já não se deixa enganar pela falsa generosidade de um poder que se esconde atrás de uma maioria absoluta que lhe foi conferida, a qual, nem o próprio partido que o suporta augurava tamanha benesse.
Ao contrário de outros países, e destaco a vizinha Espanha, em Portugal, em 2022, os trabalhadores, vão receber uma dádiva total, no valor de 125,00€, correspondente a 10 euros mensais. Os pensionistas e reformados, o valor de meia pensão, que lhe vai ser descontada no próximo ano de 2023 e nos anos seguintes, em virtude de uma ardilosa argumentação, que contraria a legislação em vigor para os aumentos de pensões em Portugal. O desconto de um euro mensal na conta da luz. Zero descontos na fatura do gaz, dos transportes, das propinas e dos passes dos estudantes. Zero descontos na fatura dos bens de primeira necessidade, em especial nos alimentos.
– Porque refiro tudo isto, para além da tristeza e do pudor de sentir que nos tentam enganar?
Porque na Cáritas e nas instituições do terceiro setor, é crescente o aumento dos pedidos de ajuda, em virtude da situação vivida, para pagar rendas de casa, adquirir alimentos, medicamentos e meios auxiliares de diagnóstico, para o pagamento do gaz, da eletricidade, dos alimentos e do vestuário, entre outros, quando os meios que estes serviços dispõem para continuar a ajudar, escasseiam e o Estado em nada contribui para este esforço da Instituição. A Cáritas Diocesana, arrecada receita proveniente da generosidade de quem se sente comprometido em ajudar, substituindo, em muitas situações, aquilo que é responsabilidade primeira do Estado, que em vez de agir subsidiariamente com as Instituições, espera que estas tudo façam, por ausência de sensibilidade social.
O senhor Presidente da República, já manifestou conformismo, considerou uma medida equilibrada e publicou de imediato o diploma, ainda no decurso da comunicação ao País, feita pelo senhor Primeiro Ministro.
Desta forma, o que esperar de quem nos governa? Dos Parlamentares da Assembleia da República? Dos Partidos da Oposição que denunciaram em uníssono a forma e o conteúdo das medidas? Dos Portugueses, em geral, que tudo têm suportado pacificamente?
Quero salientar que a Assembleia da República tem os poderes principais de legislar e fiscalizar a atuação do Governo. No sistema político destaca-se pela sua função primordial de representação de todos os cidadãos, de estar na base da formação do Governo e ser o órgão perante o qual o Governo tem de responder.
No meio jurídico utiliza-se a expressão “Fontes do Direito” para referir os processos utilizados na composição do direito, enquanto um conjunto sistematizado de normas, com um sentido e lógica próprios, disciplinador da realidade social de um Estado. Tradicionalmente, são apontadas como fontes do Direito, a lei, o costume, a jurisprudência, a equidade e a doutrina. Atualmente, tem sido defendido também que os princípios fundamentais de Direito constituem fonte do Direito.
Esperemos, pois, que as cláusulas destas medidas anunciadas pelo senhor Primeiro Ministro, as que entrarão em vigor a partir de outubro, mas sobretudo aquelas que ainda têm de ser escrutinadas pela Assembleia da República antes da entrada em vigor, também o próximo Orçamento Geral do Estado para 2023 que terá de ser discutido e aprovado pelos senhores Deputados da Nação, tenham em conta as correções que se exigem a este conjunto ilusório de medidas aprovadas pelo Governo e promulgadas pelo senhor Presidente da República, para bem dos portugueses, sobretudo dos pobres e fragilizados e da classe média que caminha a passos largos para aumentar o número de pobres já existente.
Elicídio Bilé