CAMINHAR COM TODOS SEM DESCARTAR OS POBRES
Neste tempo quaresmal a Igreja propõe aos seus fiéis que reflitam sobre a vida, peçam perdão, façam reconciliação e pratiquem boas ações como forma de se sentirem mais próximos de Jesus Cristo. Este tempo de preparação para a Páscoa representa uma oportunidade para arrancar o ódio, o rancor e a inveja que podem existir no coração.
É neste sentido, tendo em conta a experiência da sinodalidade da Igreja que estamos a viver, que o Secretariado Diocesano da Pastoral Social e da Mobilidade Humana, não realizando presencialmente a 13.ª Assembleia Diocesana da Pastoral Social, pretende assinalar o Dia Diocesano da Pastoral Social, (segundo sábado da quaresma), através desta pequena nota que ajude a refletir.
Centrar a atenção nos problemas atuais e, tendo em conta as recomendações que nos são feitas pelo Magistério da Igreja e pelo tempo litúrgico em que se insere, é o nosso objetivo. Este tempo litúrgico proporciona-nos um momento para a desinstalação, para nos colocarmos a caminho e para não perdermos o sentido da dimensão da pobreza e do necessário cuidado com os pobres.
Por outro lado, nesta jornada de caminharmos juntos, torna-se necessário procurar novas dinâmicas de participação e de governação da Igreja. É isto que o Papa Francisco pede a todos os bispos e às conferências Episcopais de todo o Mundo: ouvir o Povo Cristão e encontrar uma forma de governação partilhada por todos os batizados, a partir dos diversos carismas e ministérios.
O tempo que vivemos está repleto de ambiguidades: tudo parece relativo e muitos consideram-se detentores da verdade absoluta; a guerra está às portas da Europa; a fuga de milhares de pessoas continuam a caracterizar esta ambiguidade em que nos encontramos; os dramas da humanidade causados pela ambição de ditadores imperialistas. Tudo isto condiciona a vida das sociedades.
Este território onde vivemos, mesmo em ambiente eclesial, é caraterizado muitas vezes pelo individualismo motivado pela autossuficiência, ou seja, pela convicção de que não se necessita dos outros. Por este facto, faz todo o sentido esta interpelação que o Santo Padre nos faz, propondo uma caminhada sinodal a toda a Igreja, assente em três verbos que, segundo o Papa, vão marcar este sínodo: encontrar, escutar e discernir, aos quais, a meu ver, mesmo parecendo ousadia, poderemos juntar o verbo decidir
É verdade que vivemos dispersos geograficamente, mas não podemos viver dispersos eclesialmente. Devemos caminhar juntos, com todos, sem descartar os pobres.
O próprio Jesus não enviou os discípulos isoladamente, enviou-os dois a dois. Também não os enviou a todos para os mesmos sítios, e a missão para que foram mandatados não foi a de ensinar a doutrina que melhor lhes parecesse, mas a verdadeira doutrina que o próprio Jesus lhes ensinou, sem interesses próprios, ou motivações pessoais. Enviou-os aos pobres para lhes anunciarem a “Boa Nova” devolvendo-lhes a alegria e o ânimo aos corações apavorados, sufocados em melancolia e preocupação: “os cegos veem; os coxos andam; os leprosos são purificados; os surdos ouvem; os mortos são ressuscitados e “aos pobres é anunciado o Evangelho” (Mt. 11-5).
Também no Evangelho de Lucas podemos ler:
“Quando ofereceres um almoço ou um jantar, não convides os teus amigos nem os teus irmãos, nem os teus parentes nem os teus vizinhos ricos, não seja que eles por sua vez te convidem e assim serás retribuído. Mas quando ofereceres um banquete, convida os pobres, os aleijados, os coxos e os cegos; e serás feliz por eles não terem com que retribuir-te: ser-te-á retribuído na ressurreição dos justos” (Lc. 14,12-14).
Esta Palavra de Jesus é para nós, hoje. Podemos questionarmo-nos: que fazer para caminhar com os pobres? A resposta passa por assumirmos que, para caminhar com os pobres é necessário, em primeiro lugar, encontrá-los e, depois de os conhecermos, aceitarmos o envio que Jesus Cristo nos faz para uma missão de reconciliação e de justiça, na certeza que o Espírito Santo nos acompanha na fidelidade à Sua Palavra: “Eis que Eu estou convosco todos os dias até ao fim dos tempos” (Mt. 28,20).
O Sínodo da Igreja a isto nos conduz: caminhar com todos, sem descartar ninguém, sobretudo os pobres.
A Igreja que está nos Açores, no encontro de preparação para a vivência do Sínodo, afirma o seguinte a propósito da missão evangelizadora a partir do pobre:
“…não se trata já tão só de realizar algumas ações em favor dos pobres e excluídos, mas sim de colocar o marginalizado e o pobre como protagonistas da sua promoção e, sobretudo, aprender a partir das características do despojado como se devem organizar as prioridades da pessoa e sobretudo do cristão”.
“Pertence-nos a nós enquanto sociedade oferecer os meios materiais, educativos, sanitários, habitacionais, culturais e laborais para que aqueles que padecem de exclusão possam de forma integrada ser sujeitos da sua própria dignidade de seres humanos”.
Esta reflexão é pertinente porque, de outro modo, teremos a tentação de nos concentrarmos apenas nas estruturas da Igreja e de nos demitirmos da nossa missão de batizados.
Sobre este risco, o Vademecum – documento preparatório do Sínodo 2023, diz o seguinte:
“O Processo Sinodal exigirá naturalmente uma renovação das estruturas a vários níveis da Igreja, a fim de fomentar uma comunhão mais profunda, uma participação mais plena, e uma missão mais frutuosa. Ao mesmo tempo, a experiência da sinodalidade não devia concentrar-se antes de mais nas estruturas, mas na experiência de caminhar juntos para discernir o caminho a seguir, inspirados pelo Espírito Santo. A conversão e a renovação das estruturas só serão possíveis através da conversão e renovação permanentes de todos os membros do Corpo de Cristo”.
Também em 2020, o Papa Francisco numa catequese feita na Biblioteca do Palácio Apostólico, subordinada ao tema “Curar o mundo: a opção pelos pobres e a virtude da caridade”, afirmou que é necessário trabalhar em conjunto para curar as estruturas sociais que estão doentes e cito:
“A fé, a esperança e o amor impulsionam-nos necessariamente para esta preferência pelos mais necessitados, que vai além da assistência necessária” e acrescentou, explicando: “Trata-se de caminhar juntos, deixando-se evangelizar por eles, que conhecem bem Cristo sofredor, deixando-nos “contagiar” pela sua experiência de salvação, sabedoria e da sua criatividade. Partilhar com os pobres significa enriquecer-se uns aos outros. E se existem estruturas sociais doentes que lhes impedem de sonhar com o futuro, devemos trabalhar em conjunto para curá-las, para mudá-las. E a isto conduz o amor de Cristo, que nos amou ao extremo e chega até aos confins, às margens, às fronteiras existenciais. Trazer as periferias para o centro significa centrar as nossas vidas em Cristo, que «se fez pobre» por nós, a fim de nos enriquecer «através da sua pobreza»”.
O Secretariado Diocesano da Pastoral Social, em comunhão com a Igreja Diocesana, o nosso Bispo, todo o presbitério e todos os grupos paroquiais de ação social, deixa esta palavra de incentivo: coloquemo-nos a caminho ao encontro de todas periferias. Só assim poderemos viver a verdadeira Páscoa da Ressurreição.
Quaresma de 2022
Elicídio Bilé
Secretariado Diocesano da Pastoral Social e Mobilidade Humana