Os mais pobres dos pobres em Portugal. Que futuro? COMUNICADO DA CNJP
A pobreza em Portugal tem nome de mulher, criança, jovem, idoso, desempregado/a…. Alguns factos já conhecemos e pronunciámo-nos recentemente sobre eles1. Porquê, então, denunciar novamente? O estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos (coordenado pelo Professor Farinha Rodrigues) sobre o impacto da crise e da austeridade nas desigualdades económicas em Portugal entre os anos 2009 e 2014, divulgado há dias, proporciona-nos dados mais específicos ainda. As estatísticas corroboram a informação que possuíamos sobre quem mais sofre com o impacto da crise, mas traz-nos dados ainda mais preocupantes:
– os mais pobres continuam a ser os mais afectados pelas políticas de austeridade, o que reforça o comunicado da CNJP de 7 de Junho passado, explicitando que, entre 2009 e 2012, um em cada três portugueses passou pela pobreza durante pelo menos um ano;
– a desigualdade gritante no acesso à justiça mantém-se e as oportunidades de trabalho também são desiguais, com especial incidência nas mulheres e nos jovens;
– na área da saúde a situação é cada vez mais precária, pondo em risco a manutenção de um Serviço Nacional de Saúde para todos;
– os jovens perderam 29% dos seus rendimentos e muitos – alguns dos mais qualificados – foram forçados a emigrar para conseguir trabalho, contribuindo para o envelhecimento ainda maior da sociedade portuguesa;
– o índice de pobreza nas mulheres aumentou, nomeadamente daquelas que são as únicas responsáveis pela família: uma descida de 20% dos rendimentos (perante apenas 8% nos homens), para além de uma maior exposição ao risco de desemprego;
– a pobreza infantil cresceu entre 2009 e 2014, chegando ao valor mais elevado desde 2006, aumentando de 22,4% para 24,8%;
– os idosos continuam ao abandono e a engrossar o grupo dos mais pobres;
– 1/5 da população vive com menos de 420 euros;
– em cinco anos o rendimento dos 5% mais ricos passou de 15 para 19 vezes superior ao dos 5% mais pobres.
Afirma o professor Farinha Rodrigues no presente estudo: “O aumento contínuo do fosso que separa os mais ricos dos mais pobres constitui o principal traço de evolução das desigualdades ao longo destes anos de crise”. Cabe a cada um de nós sensibilizar a sociedade em geral para a injustiça que revela esta situação.
Assim, a Comissão Nacional Justiça e Paz alerta mais uma vez para uma situação que põe em grave risco a coesão social e a concretização, no nosso país, da Declaração Universal dos Direitos Humanos. A CNJP acredita também que há futuro para a humanidade e, concretamente, para Portugal:
– o impacto da Encílica Laudato Si’ foi grande na sociedade portuguesa, especificamente entre outras confissões religiosas e pessoas que se consideram não-crentes – sendo um sinal de esperança em tempos conturbados;
– temos verificado algum aumento da solidariedade e da responsabilidade social do cidadão médio, de várias empresas ou de instituições da sociedade civil;
– apesar de estarmos longe da paridade consagrada nas leis, existe, por parte das mulheres, mas também de alguns homens, a consciência de que esta desigualdade é um atentado contra a mulher e, mesmo, contra os direitos humanos e a coesão social;
– cresce a consciência de que as crianças são responsabilidade de todos e não apenas da família ou do Estado;
– as situações muito precárias de trabalho foram recentemente condenadas pela União Europeia e consideradas ilegais;
– constatamos sinais de maior empreendedorismo entre jovens qualificados, criando respostas muito interessantes e criativas a problemas da sociedade civil;
– nos nossos contextos imediatos de vida deparamo-nos com um número significativo de famílias que aposta em projetos de agricultura sustentável ou outros.
– Regista-se também a existência de um significativo aumento de autarquias, e juntas de freguesia, que criam projetos de resposta aos problemas sociais da população que servem.
A Comissão Nacional Justiça e Paz acredita que há saídas possíveis para situações que podem sugerir um “beco sem saída”. Recomenda que essas alternativas sejam divulgadas, nomeadamente pela comunicação social, por organismos públicos e pela sociedade civil, de forma a trazer esperança, valores de solidariedade, e sensibilidade ética à sociedade em que vivemos. Assim a CNJP apela a ”todas as pessoas de boa vontade” para que descubram “aqui e agora” o que, nas situações da vida quotidiana, nos compele a uma responsabilização e a uma ética global cada vez mais concretizadas.
Lisboa, 29 de Setembro de 2016
A Comissão Nacional Justiça e Paz