Campanha lnternacional “uma só família humana, alimento para todos”
Aos meus irmãos bispos que presidem à caridade das nossas Igrejas{phocagallery view=category|categoryid=1|imageid=32|detail=3|float=right}
e aos seus colaboradores na Evangelização
Assunto: Campanha Global contra a fome
Cidade do Vaticano, 28 de Novembro de 2013
Excelências Reverendíssimas, queridos irmãos e irmãs:
Dirijo-me a todos, na minha qualidade de presidente da Caritas Internationalis, para assinalar o lançamento da nossa campanha contra a fome. A fome continua a ser um dos maiores escândalos do mundo de hoje (cfr. Bento XVI, Dia Mundial da Alimentação, 2005).
As 164 organizações membros da Caritas Internationalis que trabalham em mais de duzentos países e territórios, por todo o mundo, sabem que existe alimentos suficiente para todos. No entanto, uma pessoa em cada oito não come o necessário por dia. A verdade é que a produção, comercialização e distribuição de alimentos não tem em conta as necessidades dos mais pobres. Esta é uma injustiça que nós podemos e devemos contribuir para mudar.
O lançamento da nossa campanha coincide com o tempo do Advento. Este tempo importante que nos permite aprofundar o mistério da encarnação de nosso Senhor, “Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10:10). O Senhor tomou partido e defendeu a causa dos pobres, dos famintos e de todos os abandonados a ponto de identificar-se com eles, “Porque tive fome e destes-me de comer” e “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.” (Mt 25). Cada pessoa que morre de fome confronta-nos com a agonia de Jesus em pessoa!
Espero, sinceramente, que esta campanha ofereça, a nós Pastores e todos os que colaboram connosco na obra de evangelização, a oportunidade para responder de forma renovada ao apelo do Bom Pastor, nosso Senhor, que nunca se mostrou indiferente ou sem recursos para qualquer angústia humana.
Ao enviar esta mensagem, recordo uma maravilha significativa, digna do Messias, que caracterizou o ministério pré-Pascal de nosso Senhor. No deserto, sem contar com povoações por perto, onde seria mais fácil de obter alimentos, Jesus não afasta a multidão que confia nos seus ensinamentos e na sua presença manifestamente salvífica. Junto daqueles que, sem Ele, não tinham mais ninguém que pudesse salvá-los, realizou o milagre de alimentar, em abundância, os famintos. Jesus, que no início de seu ministério jejuou no deserto recusando-se a comer para permanecer fiel à confiança absoluta na Providência certa do Pai, proclamou bem-aventurados os
que têm fome, assegurando-lhes a Sua presença integral e solidária, para que pudessem ter a graça e o pão necessários para uma vida digna e justa. Realizou obras maravilhosas, testemunhando a autoridade e a veracidade da Sua palavra. Alimentou efetivamente todos os que se deparavam com a necessidade mais premente da vida. Assim, através da palavra e da ação, cumpriu a promessa que o próprio Senhor anunciara na profecia: “Eis que Eu mesmo cuidarei das minhas ovelhas e me interessarei por elas.” (Ez 34:11)
O apelo que faço a todos nesta campanha é um eco da exortação do Beato João Paulo II durante o Jubileu do ano 2000 “É hora duma nova «fantasia da caridade», que se manifeste não só nem sobretudo na eficácia dos socorros prestados, mas na capacidade de pensar e ser solidário com quem sofre, de tal modo que o gesto de ajuda seja sentido, não como esmola humilhante, mas como partilha fraterna. Por isso, devemos procurar que os pobres se sintam, em cada comunidade cristã, como «em sua casa». Não seria, este estilo, a maior e mais eficaz apresentação da boa nova do Reino?” (Novo Millenio Inuente, n.50)
Esta nova «fantasia da caridade» deve encorajar-nos a todos, onde quer que nos encontremos, para parar, olhar à nossa volta, a não desviar o olhar das crianças, dos idosos com fome, dos agricultores expropriados e explorados. É a nós que o Senhor se dirige hoje: “Dai-lhes vós mesmos de comer ” e sabe que temos os meios! Ele diz-nos: “Vós sois meus discípulos, não os abandonem à sua sorte. Fazei algo, tenhais os meios. Dilatem a imaginação e sejam criativos. Trabalhem sem cessar e partilhem o que têm. Lutem contra o vosso egoísmo e não desperdicem nada. Protestem para que acabe a exploração dos mais vulneráveis e exijam o fim do monopólio das terras para os ricos. Deem aos pobres, às mulheres, aos jovens e aos camponeses conhecimentos e instrumentos necessários para produzir, transformar e dar saída aos produtos das suas terras, etc. Façam como Deus. Ele está sempre interessado no nosso pão diário: desde os pães oferecidos no templo à divisão do pão em Emaús, desde o maná do êxodo à multiplicação dos pães. O Senhor sempre prestou atenção à fome dos Homens.”
Esta nova «fantasia da caridade» deve levar-nos a aprofundar a nossa fé católica e a nossa humanidade, para que nos possamos comprometer, mais resolutamente, e acabar com esta desgraça.
A essência desta força encontra-se na oração, em particular aquela que o Senhor nos ensinou, o “Pai-Nosso”, e sobretudo na Eucaristia.
Assim, desejo que a oração acompanhe esta campanha para suscitar a conversão necessária a novas iniciativas em cada uma das nossas dioceses, das nossas paróquias, das nossas comunidades cristãs e religiosas, das nossas escolas, das nossas famílias.
O Senhor ensina-nos a orar pelo pão nosso de cada dia. Esta frase, se for verdade, deve levar-nos a partilhar o nosso pão e a não tolerar que as pessoas que nos rodeiam estejam privadas de comida. A autêntica oração cristã não é uma qualquer forma de evasão. Orar não é repetir palavras. Não é necessariamente ficar em êxtase, ter visões ou revelações extraordinárias. Orar é aproximar-se de Deus, é acostumar-se a fazer a Sua vontade pedindo-lhe “faz prosperar a obra das nossas mãos.” (cf. Salmo 90). A oração cristã não suporta a ociosidade. Pelo contrário “se alguém não quer trabalhar também não coma.” (2Ts 3,10). Na verdade, orar a Deus é prestar atenção à fome de todos os homens e mulheres do nosso tempo, fome de pão, mas também, fome de justiça e de dignidade para todos.
Que esta campanha nos ajude a redescobrir o mistério da Eucaristia e a aprofundá-lo. Por alguma razão o Senhor nos deixou este memorial e quis que Ele ficasse no meio de nós sob os sinais do pão e do vinho. Não podemos partir o pão eucarístico e estar em comunidade que celebra a Eucaristia – sacramento de comunhão e aliança – sem fazer tudo o que pudermos para devolver a dignidade aos nossos irmãos e irmãs que estão privados de uma alimentação em quantidade e qualidade. Com efeito, a Eucaristia é uma expressão por
excelência do amor compassivo, misericordioso e redentor de Deus, Viver a partir da Eucaristia é ter uma força enorme para fazer, da opção preferencial pelos pobres, uma realidade concreta que nos envolva, mais do que um mero slogan.
Ao ler estas palavras podereis interrogar-vos: o que podemos fazer?
Queridos irmãos no Episcopado, conheço a vossa generosidade e solicitude pastoral. Sei que colocam todo o empenho no vosso ministério e “mostrem-se solícitos de todas as igrejas” (Decreto Christus Dominus sobre o múnus pastoral dos Bispos na Igreja, nº 6)
Sei que em diversos graus e conforme as iniciativas realizadas nos respectivos países, Dioceses e comunidades cristãs, a luta contra a pobreza e contra a fome continua, impulsionada pelo Bispo, com a ajuda de diversos colaboradores, bem como de homens e mulheres de boa vontade. Hoje trata-se apenas de intensificar essa luta mobilizando mais agentes pastorais, os fiéis e as pessoas de boa vontade, em associação com outros atores que partilham os nossos valores e as nossas convicções, criando, para isso, estruturas locais de reflexão e ação. Através do princípio da subsidiariedade, cada um poderá dar a sua contribuição e juntos conseguiremos a eliminação deste escândalo que é a fome no mundo.
Permito-me pois, confiar-vos esta campanha iniciada pela Caritas Internationalis contra a fome no mundo. Convido-vos a apoiá-la para que dê os seus frutos graças à participação de todos e de todas, em primeiro lugar ao nível das igrejas particulares, mas também, ao nível da Igreja Universal, para o bem de toda a família humana que formamos e sobre a qual cada um é responsável pelo outro.
Na expectativa de ter utilidade, formulo algumas sugestões de iniciativas pastorais:
- · Preparar cartas pastorais pelos Bispos partilhando a visão sobre a realidade local e atualizando o convite
aos fiéis de “dar de comer aos que têm fome”;
- · Realizar o lançamento da campanha ao nível Diocesano, envolvendo todas a paróquias, a Cáritas local e
as demais estruturas sócio pastorais da Diocese.
- · Disseminar a mensagem e as ferramentas preparadas pela Caritas Internationalis e pelas Cáritas
nacionais ou locais sobre o tema da campanha durante as celebrações eucarísticas e litúrgicas;
- · Criar, em cada paróquia, um grupo de referência e ação/sensibilização que acompanhe a campanha.
Com o apoio da Cáritas Diocesana, este grupo poderia tornar-se permanente e contribuiria com a sua análise local sobre a fome, quais as suas causas, quem são as pessoas vulneráveis, que oportunidades de intervenção, avaliação dos sucessos e dos fracassos, denuncia de injustiças, etc…
· Sensibilizar para a responsabilidade coletiva e levar a efeito ações concretas, como por exemplo:
– Lutar contra o desperdício de alimentos e organizar recolhas dos mesmos para entregar a quem
menos tem e difundir técnicas de conservação dos alimentos;
– Aprender a comer com moderação, em quantidade e qualidade suficiente. Evitar o excesso de
peso;
– Envolver professores e jovens na defesa da inclusão nos currículos escolares do tema do direito à
alimentação. Organizar concursos e teatros escolares sobre o direito à alimentação;
– Organizar colóquios sobre cidadania responsável e sobre o impacto das acções de cada um de
nós sobre o direito à alimentação e o acesso a alimentos para todos;
– Defender a existência de superfícies disponíveis para hortas, reflorestar massivamente e
combater a erosão dos solos;
– Apoiar pequenos agricultores, sobretudo mulheres;
– Privilegiar os métodos tradicionais de conservação e fertilização dos solos (compostagem, etc)
– Eliminar as barreiras culturais para o uso de métodos de cultivo modernos que respeitem o
ambiente;
– Influenciar os poderes públicos e as autoridades para que apoiem orçamentos e legislação justa
para a agricultura.
Confio esta campanha a todos quantos nela participam e a intercessão maternal de Nossa Senhora que não se cansa de partilhar a Igreja a todos os seus filhos: “Fazei o que Ele vos disser!” (Jo 2, 5).
Com a expressão da minha comunhão fraterna com o Senhor,
+ Óscar Andrés Cardenal Rodríguez Maradiaga
Presidente da Caritas Internationalis